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Lindamir, a professora que se descobriu escritora

MULHERES NA UNIVERSIDADE

Docente do PPGTE e finalista do Prêmio Jabuti foi a entrevistada do mês
publicado: 06/04/2023 17h08 última modificação: 06/04/2023 17h11
UTFPR Curitiba entrevista Lindamir Casagrande.

UTFPR Curitiba entrevista Lindamir Casagrande.

No dia 8 de março deste ano, o campus Curitiba iniciou uma campanha que tem por objetivo destacar as mulheres da UTFPR e apresentar suas contribuições para o ensino, para a ciência, para a extensão e para a universidade pública. Nos dias oito de cada mês, entrevistamos uma destas mulheres, contamos sua história, suas contribuições e mostramos que a universidade é também o espaço da mulher.

A nossa convidada deste mês é a professora Lindamir Casagrande, escritora, pesquisadora e docente do campus Curitiba, autora do livro “Enedina Marques: mulher negra, pioneira na engenharia brasileira”, ilustrado por Lhaiza Morena, que ficou entre os cinco finalistas na categoria Literatura Juvenil do Prêmio Jabuti em 2022. A seguir, apresentamos a entrevista realizada com a professora e escritora. 

 

Você tem uma atuação na pesquisa universitária e criação literária. Como foi a sua trajetória nesses dois campos? Como se deu a sua formação universitária na UTFPR? De que forma a literatura chegou em sua vida?

Lindamir: Eu venho de uma família humilde que tirava seu sustento da terra. Fiz minha formação até o Ensino Médio em escola pública. É bom destacar que meu primeiro contato com a escola foi em uma classe multisseriada, no Cajati, interior do município de Catanduvas no oeste paranaense. Desde a 8ª série, conciliei o trabalho com os estudos, o que não me permitia fazer muita coisa fora do que era proposto em sala de aula. Não desenvolvi o hábito da leitura e passava raspando na disciplina de português. Eu passei no vestibular e fiz Ciências com habilitação em Matemática em uma faculdade de Pato Branco que foi incorporada ao CEFET-PR em 1994, mesmo ano em que fui aprovada em concurso para ser professora de Matemática para o ensino técnico do CEFET-PR. Devido a um problema de saúde, me transferi para Curitiba e mudei de função assumindo a secretaria do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia - PPGTE (hoje Tecnologia e Sociedade). Aposentei-me no ano de 2017 e, por mais que se anseie por este momento, quando ele chegou, bateu uma insegurança, um vazio que precisa ser preenchido. Foi neste momento que recebi o convite para o lançamento do livro infantojuvenil "A vida de Ada Lovelace", de autoria da amiga Sílvia Amélia Bim. Apresentei o meu projeto para a publisher da Editora Inverso Cristina Jones que se interessou por ele e em outubro de 2019 lancei o primeiro livro da série "Meninas, moças e mulheres que inspiram" intitulado "Marie Curie: uma história de amor à ciência". 

 

Quais são as memórias afetivas que mais te marcaram durante o percurso enquanto pesquisadora e docente da UTFPR?

Lindamir: Dentre as memórias afetivas que se sobressaem, destaco que a amizade e o sucesso dos alunos e alunas é o que mais me deixa feliz, afinal, ver que o meu trabalho possibilitou e contribuiu para que eles alcançassem seus objetivos é gratificante. Também é prazeroso comparar a Lindamir que ingressou no CEFET-PR em 1994 e a que saiu em 2017. Muita coisa mudou neste período, mas a essência e o caráter permaneceram intactos. 

 

Qual é o livro mais essencial de seu percurso enquanto leitora e escritora? Cabe aqui dizer também não só o livro, mas autores que você considera imprescindíveis em sua vida.

Lindamir: Não desenvolvi o hábito da leitura quando jovem. Passei a ler mais depois que entrei no mestrado. O livro que mais me marcou foi “Quarto de despejo” de Carolina Maria de Jesus. A forma como ela escreve para driblar a dor da fome, da miséria é um soco no estômago para nós que temos uma condição de vida melhor e, muitas vezes, reclamamos porque não podemos comprar um sapato, um celular ou um carro novo. Carolina só queria comer e dar comida a seus filhos. Devido a minha produção literária tenho lido muitas biografias de mulheres. Também gosto de ler livros infantis e juvenis para aprimorar a minha forma de escrita. Escrever livros infantojuvenis é muito diferente do que escrever um artigo científico. A linguagem tem que cativar as pequenas leitoras e os pequenos leitores e sinto a necessidade de buscar inspiração nos colegas, escritoras e escritores, que têm o mesmo público que eu.

 

Como você organiza a sua agenda de escrita? Tem alguma rotina matinal, ou algum ritual para iniciar a sua produção? Como funciona o processo de criação literária? 

Lindamir: Meus livros são biografias. Conto a história de pessoas reais que existiram e viveram as situações que relato em meus livros. A única coisa que crio são os roteiros para as ilustrações que são feitas por mulheres artistas maravilhosas e talentosíssimas. Não tenho nenhuma rotina de escrita. Quando tenho tempo, me sento e escrevo. Às vezes a inspiração me abandona, então vou fazer outra coisa e espero ela voltar. O primeiro passo para a produção de um novo livro é escolher a história que eu vou contar. São tantas mulheres que precisam ter suas histórias resgatadas e levadas ao maior número possível de pessoas que tenho certeza que não darei conta de escrever sobre todas, logo, escolho as que mais me cativam, falam ao meu coração. É uma escolha intuitiva. Parece que elas se apresentam para mim no momento exato e me dão a certeza que é a hora de contar aquela história. Tem dado certo. O que está no livro é verdadeiro, sou cuidadosa, beirando a chatice, com isso, confiro várias vezes para assegurar que as informações estão corretas (coisa de cientista) mas não é tudo. Suas vidas não cabem em um livro de pouco mais de 40 páginas.

 

De onde nascem as suas ideias e inspirações? Existe um conjunto de hábitos que você alimentou para criar especialmente o texto “Enedina Marques”?

Lindamir: Enedina Marques foi a homenageada que eu tinha certeza que deveria escrever sobre, porém senti muita angústia na hora da escolha. Se por um lado estava convicta que precisava contar sua história devido à importância que ela teve em nossa sociedade, por outro tinha receio de ser mal interpretada por eu ser uma mulher branca escrevendo sobre uma mulher preta. Então me vi diante de um dilema: se escrevesse sobre ela poderia ser acusada de estar me apropriando da história de uma mulher negra a meu favor; caso decidisse não escrever histórias de mulheres pretas a série “Meninas, moças e mulheres que Inspiram” seria composta somente por mulheres brancas e aí sim eu poderia ser acusada, e com razão, de fazer uma série discriminatória. Eu tinha certeza de que não queria isso. Não foram só as mulheres brancas que contribuíram para a construção de nossa sociedade. Não são só elas que inspiram. Eu quero uma série que apresenta mulheres diversas para que se aproxime da realidade. Desejo que todas as crianças que tiverem contato com meus livros sintam-se representadas. Mulheres negras contribuíram muito para a produção do conhecimento e construção de nossa sociedade e precisam estar representadas na série. Enedina foi a primeira, outras virão.

 

Como escritora, Lindamir Casagrande tem alguma preocupação com a linearidade ou o modo da frase poética na construção da obra literária?

Lindamir: Minha única preocupação é produzir um texto que respeite a trajetória das mulheres que escolhi homenagear e que agrade as leitoras e leitores. Escrevo, reviso e reescrevo até eu ler e achar que está bom. Minha formação é em matemática e isso me torna detalhista ao extremo. Se eu não gostei, não publico. Sou minha primeira crítica. Só encaminho para a editora quando estou satisfeita. 

 

Você já tem algum projeto para futuros livros? 

Lindamir: O próximo que será lançado dia 15 de abril se intitula “Bertha Lutz: cientista, feminista, diplomata e brasileira”. Tenho outro que será publicado mais para o final do ano e contará com a parceria de uma pessoa muito especial. Não vou divulgar os nomes por enquanto para manter o suspense e deixar a expectativa no ar. Tenho certeza que vocês irão gostar de conhecer a história que escolhemos contar. Fora da série, estou trabalhando em um projeto muito importante. Escrevi cerca de 40% do livro e vou fazer mistério sobre quem se trata, porém ressalto que por diversas vezes me indignei com a forma como a sociedade e quem estava com o poder decisão agiram em muitos episódios da vida das mulheres sobre as quais estou escrevendo.  

 

Quais são os conselhos que você deixa para escritores iniciantes? 

Lindamir: Não deixem nada e ninguém impedir que realizem seus sonhos. Aceitem as críticas positivas e construtivas e descartem os comentários de pessoas que só querem depreciar o seu trabalho e sua capacidade. Não sucumbam diante do primeiro não, eles acontecem e nos fazem melhorar, crescer e nos tornar mais fortes. Aprimorem o texto e sigam em frente. Escrevam sempre que tiverem um tempinho ou uma inspiração. Não pensem que o texto fica pronto de primeira. Jogue a ideia no papel e depois volte ao início e aprimore o texto. Se tiver alguém que possa ler seu texto com critério e carinho não exite em pedir que o faça. Revise quantas vezes for necessário e não tenha receio de apresentar o seu manuscrito a uma editora. Todos e todas podem escrever. Alguns querem fazer isso, outros não e está tudo bem. Siga em frente e tenha sucesso!

 

Clique aqui para acessar a página do Instagram da UTFPR-CT e veja a campanha Mulheres na Universidade.