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Silvia Andreis une arte e Libras para inclusão de alunos surdos

MULHERES NA UNIVERSIDADE

Professora de Libras trabalha para desconstruir preconceitos
publicado: 08/12/2023 16h17 última modificação: 08/12/2023 16h17
"Existe uma grande diferença entre TER e SER. Não podemos nos deixar intimidar pelo preconceito, pois ter uma deficiência não é vergonha, vergonha é ter preconceito, é discriminar".

"Existe uma grande diferença entre TER e SER. Não podemos nos deixar intimidar pelo preconceito, pois ter uma deficiência não é vergonha, vergonha é ter preconceito, é discriminar".

Silvia Andreis Witkoski tem um superpoder. Natural do Rio Grande do Sul, aos 54 anos a professora de Libras da UTFPR Curitiba é capaz de enxergar beleza em tudo que vê. Não à toa consegue transformar a vida em arte. Quando dá aula, cativa. Quando escreve, encanta. Quando pinta, emociona. E esse conjunto de emoções é canalizado para algo específico: a inclusão. 

Como mulher surda e professora, Silvia batalha para quebrar preconceitos e acolher pessoas todos os dias. Para isso, ela utiliza todo seu arsenal de habilidades e o reflete no ensino de Libras e na educação como um todo. Confira abaixo a entrevista com a professora. 

Conte um pouco da sua trajetória de vida até chegar na UTFPR

Eu sou formada em artes, sempre amei pintar, desenhar, visitar museus. Fui por um bom tempo professora de artes. Quando engravidei, o amor pela literatura infantil também germinou. A maternidade me trouxe o sentimento de plenitude: amo ser mãe. Contudo a vida é cheia de surpresas, foi nesse período também que descobri que tenho otosclerose, o que desencadeou o processo de meu ensurdecimento. 

No começo foi um susto, pois junto com o diagnóstico comecei a perceber as dificuldades de comunicação que se tornaram corriqueiras em meu cotidiano, assim como precisei enfrentar o preconceito que existe em relação às pessoas que têm alguma deficiência. Diante da situação, não aceitei os rótulos que queriam me impor em função de vivermos em uma sociedade capacitista. 

Comecei a estudar o tema além de aprender Libras junto a comunidade surda. Com os surdos desenvolvi minha identidade e resolvi fazer doutorado em educação na UFPR (Universidade Federal do Paraná), com tese justamente sobre educação de surdos e preconceito. Isso porque, para mim, é inconcebível que em função dos preconceitos sejam subtraídos os direitos das pessoas, como no caso dos surdos de uma educação de qualidade que respeite as suas singularidades. Na sequência fiz pós-doutorado também em educação com pesquisa sobre educação de surdos, uma questão de direitos.

Desde então tenho trabalhado pelos direitos das pessoas surdas e contra qualquer tipo de preconceito. Como sempre acreditei na educação como um processo libertador,  me tornei professora de Libras na UTFPR de Curitiba iniciando em 2012. 

Você é uma mulher multitalentosa. Artista, escritora, professora… O que mais te chama atenção em todas essas áreas? É fácil conciliá-las em uma coisa só? 

Antes mesmo de cursar a faculdade de artes, ainda criança sempre gostei de desenhar e pintar. Assim, sempre que tenho um tempo livre dedico ao fazer artístico. Com os anos, acredito que vamos colecionando cada vez mais vivências, conhecimentos e reflexões que sinto a necessidade de compartilhar. A forma como faço é escrevendo e ilustrando livros para crianças. Também mantenho minha escrita acadêmica na área da educação de surdos e Libras para contribuir para um maior entendimento do que é educação bilíngue de surdos, Libras, o processo de letramento dos surdos, entre outros temas. E na mediação do ensino da Libras em sala de aula onde tenho a oportunidade de não apenas ensinar Libras, mas também a minha presença, como professora surda, e a abordagem temática feita sobre pontos cruciais como a questão do direito linguístico, ajudar os discentes a avaliar a visão que têm das pessoas surdas, bem como das que têm alguma deficiência, vindo a questionar qualquer tipo de preconceito. E isso é muito gratificante. Então, de certa forma, é fácil conciliar pois todas as minhas atuações têm o mesmo cerne.

De todos os livros que escreveu, qual foi o mais trabalhoso e qual é o seu preferido?

É difícil responder qual é o meu livro preferido, pois cada um tem muito de mim. Todos os meus livros, ao folhear as páginas, trazem muitas histórias vividas, lugares, sentimentos e reflexões. Por exemplo, no ano passado publiquei um livro: Natal em Natal. Esse traz no enredo e ilustrações uma série de recordações maravilhosas que tive a oportunidade de viver quando estive em Natal durante o período natalino. Então cada livro tem uma fonte de inspiração que faz parte de minha história de vida, por isso todos são especiais para mim. 

Como mulher, professora e pessoa surda, a sua presença dentro de uma universidade é muito importante porque cria representatividade. Como você imagina tornar esse espaço mais acolhedor e inclusivo?

Sem dúvida o fato da disciplina de Libras ser ministrada por uma professora surda faz muita diferença. A maior parte dos discentes nunca teve contato com uma pessoa surda. A minha presença certamente contribui para os discentes desconstruírem visões estigmatizadas que ainda circulam em nossa sociedade sobre os surdos, para perceberem que tanto eles (ouvintes) como eu somos pessoas humanas. E, aos poucos, os acadêmicos conseguem perceber que as diferenças são enriquecedoras e que o fundamental é aprendermos a desenvolver empatia em relação ao outro.  

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a comunidade surda brasileira equivale a, aproximadamente,10 milhões de pessoas. Com um número tão expressivo, é importante que o ensino de Libras tenha maior relevância nos currículos escolares. Ainda assim, houve um crescimento no interesse pelo aprendizado da língua. Como você interpreta esse aumento e como tornar o ensino de Libras mais atrativo?

A legislação contribuiu para aumentar a presença tanto de acadêmicos, quanto dos professores surdos dentro das instituições de ensino, como também de intérpretes de Língua de Sinais. Esse crescimento é muito profícuo, pois aumenta o espaço de representatividade dos surdos e da Língua de Sinais. Entendo que a atuação competente e responsável do professor surdo em sala de aula contribuiu tanto para o desenvolvimento da empatia em relação ao mesmo, como para a formação de novos sinalizantes, o que, por conseguinte, repercute na inclusão dos sujeitos surdos. 

 Eu, por exemplo, como professora de Libras na UTFPR, para que o ensino da língua seja o mais atrativo possível, desenvolvi uma série de recursos visuais, como jogos, a fim de facilitar a aprendizagem da Língua de Sinais. Além disso, mantenho um Instagram somente para compartilhamento de materiais na Libras (@silvia_a_w) para que os discentes, que em sua grande maioria utilizam com bastante frequência as redes sociais, possam manter informalmente o contato com a língua. Também no Portal Sophia disponibilizei uma série de cursos de Libras à distância, que para a comunidade geral é uma oportunidade de começarem a estudar a língua e para os acadêmicos da UTFPR constitui-se como material de apoio.

O que você diria para meninas com deficiências, ocultas ou não, que querem ingressar na universidade, mas se sentem intimidadas?

Eu diria que ter uma deficiência não significa que a pessoa é deficiente. Eu, por exemplo, tenho deficiência auditiva, mas não sou deficiente. Existe uma grande diferença entre TER e SER. Não podemos nos deixar intimidar pelo preconceito, pois ter uma deficiência não é vergonha, vergonha é ter preconceito, é discriminar. 

Diria, também, que ninguém tem direito de boicotar nossos sonhos. Jamais devemos abrir mão do que queremos por medo de sofrer algum tipo de discriminação. A vida é uma dádiva maravilhosa, mas sempre terá momentos difíceis. É preciso enfrentar o medo, as adversidades, com orgulho de suas próprias singularidades. 

Nesse sentido, por exemplo, eu lembro que fui a primeira pessoa surda a fazer doutorado na UFPR. Na época precisei batalhar para ter intérprete. Teve muitos momentos complicados, mas com persistência consegui me tornar não apenas doutora em educação mas a primeira pós-doutora surda do Brasil. E o mais importante é que acabei abrindo espaço na universidade para outros surdos que fizeram posteriormente mestrado e doutorado na instituição. 

Por fim, o lobo sumiu mesmo?

Ahhh... para descobrir terá de ler meu livro O Lobo Sumiu.