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Xênia Mello: servidora e pesquisadora fala sobre trabalho e igualdade de gênero

MULHERES NA UNIVERSIDADE

Coordenadora do NUAPE foi a entrevistada do mês de junho
publicado: 07/06/2023 14h09 última modificação: 07/06/2023 14h09

No dia 8 de março deste ano, o campus Curitiba criou uma campanha que tem o objetivo de destacar as mulheres da UTFPR e compartilhar suas contribuições para a universidade pública. Todos os dias 8 dos meses, entrevistamos uma destas mulheres, contamos sua história, contribuições, sonhos, desejos e lutas. 

Neste mês, nossa entrevistada é a servidora Xênia Mello, especialista em Literatura Brasileira e História Nacional pela UTFPR e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA) da UTFPR - campus Curitiba. Xênia trabalha na UTFPR-CT desde 2010. Primeiramente, atuou na Agência de Inovação vinculada à  Pró-Reitoria de Relações Empresariais e Comunitárias (PROREC). Em 2018, começou a trabalhar no Núcleo de Acompanhamento Psicopedagógico e Assistência Estudantil (NUAPE), exercendo a coordenação do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI). A partir de 2023, assumiu a coordenação do NUAPE do campus Curitiba.

 

Como você considera a igualdade de gênero e o papel da mulher na universidade? 

Xênia: Nós somos um dos países que mais mata mulheres, principalmente mulheres trans no mundo. Esse discurso que autoriza que mulheres não são gente, que mulheres podem ser mortas é reproduzido nas universidades. Não é raro ver homens que são referências universitárias envolvidas em situações de violências e abusos sistemáticos. Quando vem ao público, as pessoas se chocam, mas no cotidiano todo mundo conhece alguma história de violência, quando não foi a própria vítima. Isso precisa ser denunciado e as pessoas responsabilizadas. Então, enquanto quase todo o dia eu escuto relatos de violências e abusos cometidos nas salas de aula, seja em forma de piada, seja porque falam que mulheres não podem seguir esta ou aquela carreira, seja porque expõe e violenta pessoas trans, estamos muito distantes de uma universidade de igualdade e respeito. As mulheres têm medo de denunciar, e não é sem razão, nós não temos mecanismos efetivos de proteção às vítimas, especialmente nas universidades!

 

Quais os significados e sentidos mais essenciais que você enxerga em seu trabalho na UTFPR-CT?

Xênia: Construir uma universidade de pluralidade, respeito e de bem viver, ética e ecologicamente responsável, que combata todas as formas de discriminação. 

 

Como é trabalhar com questões psicopedagógicas de assistência estudantil e educação inclusiva? 

Xênia: É um aprendizado constante em que os acertos em alguns momentos são precedidos de erros e falhas. Construir uma política pública universitária que tenha efeitos benéficos reais na vida das e dos estudantes é algo que eu me sinto honrada de viver. Mas tem também a falta de estrutura e, por mais que haja um compromisso profundo da equipe e muita competência, é cada vez mais comum bater um cansaço imenso e isso repercute na nossa saúde mental e qualidade do nosso trabalho, infelizmente. 

 

De que forma a universidade pode caminhar para oferecer cada vez mais espaços, pensando em políticas de incentivo e afirmativas?   

Xênia: Pluralizando nossas bibliografias, nossas referências ainda são muito empobrecidas, majoritariamente brancas, cis e europeizadas e por aí vai. As pessoas conhecem algum intelectual com deficiência, trans? Existem e são várias, a gente precisa ler essa galera. É uma tristeza que grande parte dos nossos servidores, servidoras e estudantes nunca tenham lido Fanon, Preciado e Lélia Gonzalez. Fanon é um divisor de águas em nossas vidas, como a gente vive a universidade e não esbarra com essas leituras? Não existe ciência de qualidade se nossas referências tem apenas um perfil, uma gramática, uma cor. Temos umas das principais intelectuais surdas do país e não fazemos ideia sobre o quê a professora Silvia Andreis escreve, ela está todo dia aqui com a gente, o que ela escreve nos transforma, de verdade, é impossível não ser arrebatada! 

 

Quais os maiores desafios que você aprendeu a lidar ao longo dos anos enquanto servidora do campus Curitiba? 

Xênia: Enfrentar toda forma de assédio, não ceder a qualquer forma de violência institucional e construir redes de apoio e proteção para nós servidoras e estudantes também. 

 

A Virginia Woolf dizia que as mulheres viviam quase exclusivamente para o lar. De que maneira você observa a representação feminina, hoje em dia, ocupando outros espaços como o ambiente político e os trabalhos intelectuais? 

Xênia: O livro "Um teto todo seu" foi por muito tempo o livro da minha vida. Explica muito do porquê apesar de sermos a maioria de doutores no país ainda ocupamos muito pouco as reitorias e cargos de direção. Nas universidades, sempre citam uma ou outra mulher e acreditam ser suficiente, mas jamais reconhecem e estudam sobre como a universidade é instrumento de perpetuar privilégios e violências. Tem muito trabalho pela frente, e a responsabilidade por isso não é só das mulheres, é especialmente dos homens. É necessário políticas de enfrentamento ao assédio e violência de gênero, que saiam do papel, com recurso, pessoal destacado para trabalhar exclusivamente com isso. Temos várias comissões, eu participo de algumas, mas tudo é feito com acúmulo de trabalho, isso não é política, isso é puxadinho! Sem prioridade a gente alcança alguns espaços, mas esses espaços nos matam e adoecem. A Maria da Penha é exemplo disso, ela era uma professora universitária, é preciso que a gente conheça a história dela! 

 

Pensando em uma figura feminina, quem te inspira? 

Xênia: A professora Megg Rayara Gomes de Oliveira, do departamento de educação da UFPR é uma referência pra mim. 

 

Um livro que você leria facilmente de novo.

Xênia: Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves.

 

Cite dois personagens de um filme que combinam com a sua personalidade. 

Xênia: o Francis do Vida de Inseto e a Matilda :) 

 

Qual foi o seu maior sonho de infância que realizou na fase adulta? 

Xênia: Puxa, nenhum! A criança que eu fui não imaginava a família sapatão bonita que eu tenho hoje! 

 

Qualidade que mais admira em alguém. 

Xênia: Capacidade de se responsabilizar pelos próprios erros e fazer algo interessante a partir disso. 

 

E o maior defeito? 

Xênia: Não saber rir de si mesmo.

 

Qual recado você enviaria para a Xênia de 10 anos atrás? 

Xênia: O tempo é rei, você não é a sua angústia, nem o seu sofrimento, nem as violências que fizeram com você! Você é melhor que tudo isso! E eu tenho uma alegria gigante pela nossa caminhada.