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Pesquisadores da UTFPR explicam o comportamento do solo

Deslizamento de terra

Equipe estuda o solo brasileiro há mais de dez anos e faz parte da Rede MapBiomas que reúne pesquisadores nacionais sobre o tema
publicado: 03/03/2023 10h16 última modificação: 03/03/2023 10h16
Exibir carrossel de imagens Imagens mostram o antes e o depois do local atingido no Litoral de SP (Foto: Rede Mapbiomas)

Imagens mostram o antes e o depois do local atingido no Litoral de SP (Foto: Rede Mapbiomas)

Os deslizamentos de terra noticiados desde o final do ano passado no Paraná e os recentes no Litoral Norte de São Paulo vem trazendo inúmeras discussões sobre como o solo se comporta em uma quantidade excessiva de chuva. Na UTFPR, uma equipe de pesquisadores vem estudando o solo brasileiro há mais de dez anos em um grupo de trabalho envolvendo os campi Dois Vizinhos e Santa Helena e, em 2021, passaram a fazer parte da Rede MapBiomas, grupo que reúne pesquisadores brasileiros sobre o tema.

Os professores Taciara Zborowski Horst (Campus Dois Vizinhos) e Alessandro Samuel Rosa (Campus Santa Helena) explicam como volumes elevados de precipitação aumentam consideravelmente o peso do solo, podendo torná-lo instável.

“Durante uma chuva intensa, a água infiltra-se no solo, reduzindo a força de coesão entre as partículas do solo e aumentando a pressão da água nos poros. Em determinado momento, o solo já recebeu tanta água que começa a se comportar como um fluido. Esse fluído, ou lama, pode se desprender e deslizar em direção à encosta abaixo”, afirma Alessandro Rosa.

A professora Taciara Horst destaca, ainda, a importância que a inclinação da encosta tem nesses incidentes. “Quanto mais íngreme é a encosta, maior é a força da gravidade e maior é a probabilidade de deslizamento de terra. Ela [inclinação da encosta] aumenta também a área de contribuição na paisagem, uma vez que a água nas porções superiores tende a escoar superficialmente e acumular ao longo do comprimento do lançante”. 

Outros fatores que podem contribuir para deslizamentos de terra, segundo a equipe, incluem a geologia da área, a quantidade de chuva que cai em um curto período e a presença de estruturas ou edifícios na base da encosta, aumentando o peso e a pressão do solo.

“Grosso modo, quanto mais declivoso o terreno, mais raso o solo e mais impermeável a rocha abaixo dele, apresentando maiores as chances de ocorrer deslizamentos em casos de eventos climáticos extremos”, completam.

Desmatamento e ocupação

Outro problema apontado pelos especialistas é com relação ao desmatamento e ocupação em área de encosta. Segundo a geógrafa da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Luciana da Luz, é essencial preservar as margens de rios e encostas, definidas como áreas de Área de Proteção Permanente (APP) conforme o Código Florestal (Lei n° 12.651/12). “A presença de árvores e vegetação pode aumentar a infiltração de água no solo e garantir uma maior estabilidade nestas áreas”, destaca. 

Porém, ela faz um alerta: “dependendo da magnitude do evento, a vegetação pode não ser suficiente para manter o solo estável em encostas, como aconteceu no Litoral de São Paulo. Por isso, o planejamento adequado da ocupação do solo é fundamental”.

A equipe avalia também os impactos de eventos climáticos extremos em áreas urbanas densamente povoadas, onde as infraestruturas urbanas, como sistemas de drenagem e esgoto, muitas vezes são inadequadas para lidar com grandes volumes de água. 

“Em áreas onde o solo é coberto por construções, compactado ou erodido, a capacidade de absorver a água é reduzida, aumentando a quantidade de água que flui para as ruas e sistemas de drenagem. Isso pode levar a inundações mais severas e perigosas, aumentando o risco de danos à infraestrutura e colocando em risco a segurança dos cidadãos”, complementam.

Como resultados, temos deslizamentos em encostas e morros urbanos ocorrendo com uma frequência alarmante nos últimos anos, devido ao crescimento desordenado das cidades, com a ocupação de novas áreas de risco, principalmente pela população mais carente. 

“É fundamental que sejam tomadas medidas preventivas, como a manutenção adequada de encostas, a construção de barreiras de contenção e o monitoramento das condições do solo em áreas de risco”, aponta a geógrafa.

Crise climática

Outra análise dos pesquisadores é com a relação desses fenômenos e o aquecimento global. Apesar de ser um fenômeno natural, o aquecimento tem se intensificado com o aumento da concentração de gases na atmosfera terrestre. Entre os principais responsáveis pela emissão destes gases no Brasil estão o desmatamento e a queima de combustíveis fósseis.

“Com isso, temos uma alteração climática global com redução ou aumento da umidade do ar, maior frequência dos temporais, estiagem e furacões, que chamamos de eventos climáticos extremos”, afirma a equipe.

Essa preocupação é ainda mais acentuada em áreas urbanizadas onde o solo é frequentemente coberto por asfalto, concreto e outros materiais impermeáveis, o que dificulta a absorção da água. Além disso, em encostas sob uso antrópico, a instabilidade dos taludes é aumentada, tornando a situação ainda mais crítica. Para prevenir e mitigar esses riscos, é fundamental tomar medidas preventivas, como a manutenção adequada de encostas e o monitoramento das condições do solo nestas áreas.

Segundo a geógrafa da Universidade Federal de Goiás (UFG), Bárbara Silva, é importante considerar a instabilidade pedológica e geológica dos terrenos ocupados e de adotar projetos de drenagem adequados à área, visando evitar ou reduzir escorregamentos e deslizamentos. “Algumas das medidas corretivas comuns incluem o nivelamento do solo, a terraplenagem e a construção de muros de arrimo. No entanto, em algumas regiões, a estabilização de taludes pode ser difícil de alcançar de forma permanente, sendo necessárias ações de monitoramento e previsão de eventos climáticos extremos”, destaca a geógrafa.

Tanto eventos climáticos intensos, como a elevação da precipitação em um curto período de tempo, ou chuvas prolongadas, podem deixar um rastro de destruição. É essencial que as autoridades governamentais e os cidadãos tomem medidas proativas para mitigar esses riscos, incluindo a melhoria da infraestrutura, a adoção de técnicas de gestão de águas pluviais e a redução do desenvolvimento em áreas de risco. “É necessário discutir essas questões técnicas com a população, oferecendo alternativas e informações para que as pessoas saibam como evitar ou agir em situações semelhantes”, concluem.

Litoral de São Paulo

O Litoral Norte de São Paulo foi atingido por grande volume de chuvas entre 18 e 19 de fevereiro deste ano, causando inundações, alagamentos e movimentos de massa nas encostas. Segundo a Defesa Civil de São Paulo, foi registrado mais de 600 mm de chuva nestes dois dias na região.

Uma nota técnica emitida pela Rede MapBiomas apontou um aumento de cerca de quatro vezes mais (3,9) da área urbanizada, entre 1985 até 2021, nos municípios afetados. A partir de dados, mapas e imagens de satélite de alta resolução foi contatado o crescimento das áreas urbanizadas, ficando acima da média nacional e estadual que é de três vezes.

A ocupação em assentamentos precários também teve uma taxa de aumento 8,8 vezes maior que as áreas urbanizadas que é 3,9 vezes. Em geral, o crescimento urbano e os assentamentos precários estão localizados entre as estradas e as encostas da Serra do Mar. Mais da metade da área urbanizada expandiu sobre áreas de Mosaico de Usos (protegidas), com um total de 56%. E ¼ da área urbanizada expandiu sobre áreas naturais, principalmente na Restinga Arborizada.

MapBiomas

O grupo de trabalho da rede MapBiomas é formado por pesquisadores de universidades, representantes de ONGs e startups de tecnologia, além de cientistas de solo brasileiro da UTFPR e da USP. O objetivo é resgatar dados históricos e a cobertura espacial e temporal de dados abertos de terra no Brasil, Indonésia e territórios sensíveis da América do Sul, e fazer com que ele seja disponível para acesso livre por qualquer pessoa.

Eles lideram a iniciativa de mapeamento espaço-temporal de recursos do solo brasileiro a partir do reuso de dados abertos de solo providos pelo Repositório de Dados do Solo Brasileiro (FEBR), projeto de extensão tecnológica da Universidade.

O projeto também conta com a participação de estudantes de graduação da UTFPR como: de Engenharia Florestal do Campus Dois Vizinhos, David Oliveira Pontes; de Agronomia do Campus Santa Helena, Débora Kempner, Vitor Peruzzi e Beatriz de Oliveira; e de Ciência da Computação do Campus Santa Helena, Marcos dos Anjos.

Segundo os pesquisadores, esta é a plataforma mais completa, atualizada e detalhada base de dados espaciais de uso da terra, disponível no mundo. Além disso, todos os dados, mapas, métodos e códigos do MapBiomas são disponibilizados de forma pública e gratuita.

Para a pesquisadora Taciara Horst, os dados obtidos pela rede auxiliarão no desenvolvimento de várias políticas públicas. “Podem ser utilizados para proteger a biodiversidade e os povos da floresta, no combate ao desmatamento, no agronegócio, vigilância epidemiológica, entre outros”.

O MapBiomas utiliza ferramentas como sensoriamento remoto, computação em nuvem e aprendizado de máquina, e oferece, entre outros produtos, uma completa série de mapas anuais de cobertura e uso da terra no Brasil desde 1985 em uma escala de 30 m de resolução.