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Ciência e Sustentabilidade

Foco da 28º SBQSul, esse também foi o tema da entrevista feita com a conferencista do evento, Vanderlan Bolzani, cientista reconhecida internacionalmente. Confira como foi essa conversa.
publicado: 25/11/2022 11h46 última modificação: 25/11/2022 11h46

Durante a realização da 28º SBQSul – Reunião da Sociedade Brasileira de Química Regional Sul, a ASCOM-PG conversou  com a renomada cientista Vanderlan da Silva Bolzani, que conduziu a conferência de abertura do evento e participou da mesa redonda Mulheres na Ciência –  no Centro de Convivências da UTFPR Campus Ponta Grossa. Farmacêutica formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPB), Mestre em Química Orgânica e Doutora em Ciência, pela Universidade de São PAULO (USP), fez seu Pós-Doutorado no Departamento de Química no Instituto Politécnico e na Universidade Estadual da Virgínia, nos Estados Unidos. Reconhecida internacionalmente, Vanderlan Bolzani está entre os 2% dos cientistas mais influentes do planeta em suas respectivas áreas de atuação, segundo ranking publicado pela holandesa Elsevier, uma das principais empresas editoriais  do mundo em publicações científicas. A cientista que já presidiu a Sociedade Brasileira de Química (SBQ) e atualmente preside a Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp), também atua como membro do Conselho da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). 

ASCOM - Qual a relevância dessa discussão que o evento propõe? Por que falar de desenvolvimento sustentável? 

Vanderlan – O tema tem tudo a ver com a área de pesquisa de ciência que está na vida de todo cidadão da hora que ele acorda até a hora que ele dorme que é a química. Química é uma área importantíssima para o desenvolvimento humano. E quando falamos das ciências básicas não existe uma ciência isolada. O conhecimento é um acumulo de várias ciências. E logicamente, como você desenvolve um país, se você não tem ciência básica? [...] O Ano Internacional das Ciências Básicas é extremamente importante, porque veio numa época muito oportuna. [...] Quanto mais você acha que conhece, menos você conhece. Então, depois de tantos avanços, nos ficamos diante de uma pandemia, que nesse país foi uma tragédia. Quase 700 mil pessoas mortas e com muitos avanços da área médica, da área biológica, de todas as áreas da ciência. Temos que investir muito em todas as ciências, porque é o conjunto das ciências que traz conhecimento. Isso é fundamental para o desenvolvimento tecnológico, pois, se for bem aplicado, gera riqueza. É uma cadeia que nós não podemos quebrar o elo. O país passou por uma fase muito difícil, muito pouco investimento. A ciência hoje no mundo é muito cara, porque ela sofisticou bastante e quanto mais você sofistica, mais tem ânsia de conhecimento novo, se fizermos um retrospecto, um exemplo que eu comecei a estudar, uma pandemia que [...] matou 50 milhões de pessoas e as pessoas acham 50 milhões não é nada, não é nada agora, foi a Gripe Espanhola, que é um SARS também. [...] naquela época era muita gente e começaram a fazer os primeiros estudos sobre SARS. Levaram 10 anos para começar a pensar nas primeiras vacinas para gripe. Hoje, em dois, três anos, desde que começou a circular o corona tem mais de meia dúzia de vacinas prontas. Olha que coisa fantástica é o conhecimento, se não tivéssemos a ciência e o conhecimento, nós não teríamos tantas vacinas disponíveis. E se a vacina não está disponível para a sociedade,  o problema não é de conhecimento, é um problema político. 

ASCOM – Como a falta de recurso impacta ou prejudica a ciência brasileira? 

Vanderlan – Prejudica de uma forma assustadora, porque em todas as áreas, principalmente nas chamadas áreas médicas, áreas biológicas, áreas químicas, onde você, para fazer pesquisa de qualidade, precisa ter equipamentos altamente sofisticados, que o custo é altíssimo. Mas mais do que o custo, porque você pode fazer um projeto, submeter e ganhar, é a manutenção desses equipamentos que são necessários. [...] Você tem que ter verba, sem verba você não faz pesquisa em lugar nem um do mundo. E o que aconteceu nesse país nos últimos anos [...], antes desse governo, quando a Dilma já estava em declínio muito grande, a verba de ciência e tecnologia para inovação nesse país, no Ministério de Ciência e Tecnologia girava em torno de 12 bilhões, foi diminuindo no governo Dilma [...] e hoje é de 2.1 bilhões, esse é o valor do investimento que a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) faz no Estado de São Paulo, mas para o país inteiro, isso é uma tragédia. [...] Você leva muitos anos para construir, mas pouco tempo para destruir. Você leva 100 anos para montar toda essa estrutura desse país em ciência e tecnologia, porque nós somos robustos, nós somos a principal economia da América Latina e não é à toa, o país investiu muito. Depois do pós-guerra, nós éramos extremamente pobres, agrícola, não tínhamos indústria, uma coisa terrível. Foram alguns industriais [...] no estado de São Paulo, mais essa região aqui, que são as regiões ricas Sul e Sudeste, que começaram a investir e começaram a transformar e isso fez São Paulo ser o coração econômico, por quê? Porque existiu muita ciência e tecnologia. 

ASCOM - E como o Brasil conseguiu se tornar expoente na produção cientifica, diante de tantas dificuldades, o cientista brasileiro também é criativo como o povo brasileiro? 

Vanderlan –  A ciência brasileira é bastante criativa e boa, em algumas áreas, são excelentes. [...] A Ester Sabino tem um prêmio no Estado de São Paulo com o nome dela, porque em uma semana ela fez o sequenciamento do genoma do COVID. Isso é uma ciência de altíssimo nível, de primeiro mundo, feita aqui. 

ASCOM – A conferência de abertura da 28º SBQ Sul teve como tema “Produtos Naturais da Biodiversidade Brasileira: qual o Legado desses 200 Anos de Independência?”. Nós temos duas perguntas: Qual biodiversidade está sendo tratada? E que legado é esse? 

Vanderlan – [...] Biodiversidade são todos os organismos vivos, sejam espécies de plantas, de animais, de insetos. No meu caso eu falo de plantas, porque foi o que trabalhei a vida inteira - espécies vegetais – trabalho com produtos naturais, uma coisa muito específica. [...] e o que eu trago para essa moçada, é que o Brasil é um país enorme, tem seis biomas maravilhosos, pouco explorados e, hoje, só se fala em bioeconomia. Bioeconomia é fazer riqueza a partir dos produtos naturais que o país tem. E o que eu faço é mostrar como foi o avanço dos produtos naturais no Brasil. Falo um pouco da minha pesquisa, mas muito pouco, pincelando, como foi desde o descobrimento, porque tem coisas muito interessantes, por exemplo, os jenipapos que os índios pintavam a pele, uma coisa fascinante, existem 50 patentes Américas e nós não temos nada e a espécie é brasileira. 

ASCOM – Esse seria o legado? 

Vanderlan – Esse é. [...] começar a despertar nessa juventude um olhar para os produtos naturais que muita gente não tem, principalmente, na área da química. 

ASCOM – De acordo com a programação do evento você também participa da mesa redonda Mulheres na Ciência. Qual a importância de discutir, especialmente neste momento, o papel da mulher na ciência? 

Vanderlan – Eu estou muito envolvida nisso, desde que [...] eu fui presidente da SBQ, agora sou presidente da Academia de Ciências de São Paulo, porque culturalmente sempre teve essa diferença e é uma cultura. Você não muda uma cultura em menos de 100 anos. Por exemplo, essa história de que as mulheres eram afeitas ao lar e que os homens são afeitos a fazer matemática, química, física, e as mulheres não. Isso foi colocado e as pessoas cultivam e quando as pessoas cultivam parece que aquilo se introjeta dentro de si, mas não é verdade. E não pode ter um mundo perfeito sem igualdade e eu digo igualdade em todos os sentidos, não é ser um melhor que outro. Quando homens e mulheres ou meninos e meninas entenderem que o mundo futuro e a sustentabilidade do planeta dependem dos dois, daí quem sabe os meus netos vão ter outro mundo. 

ASCOM – Para finalizarmos, o que os participantes do evento podem esperar dessa discussão que está sendo proposta pela 28º SBQ SUL? 

Vanderlan – Falar de ciência básica é muito importante para essa moçada, principalmente, hoje. Não sei se pandemia, ou o que fez isso, mas eu vejo uma juventude muito alienada, muito apática. No sentido, eu estou fazendo química e só enxergo a minha bancada, isso é uma tragédia no mundo que se propõe hoje, que fala de ODS.  [...] Para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Terra, como fazer isso olhando só o seu quintal? Para ter um mundo sustentável você tem que ter homens e mulheres com os mesmos objetivos, para termos os mesmos objetivos,  não pode haver descriminação, nem de gênero, nem de raça, nada.